quarta-feira, 25 de abril de 2007


O Aviador e Seu Avião

Hailton Andrade


O Sol surgiu naquela manhã determinando o momento da decolagem, o espaço campestre era animador para um amante do vôo livre. Damião sempre desejara voar eternamente, porém ainda não havia um combustível interminável que permitisse tal feito.
Damião possuía um bi-planador daqueles utilizados na primeira guerra mundial. Era seu companheiro de longa data, pois sempre voara junto a ele. Na hora em que decolava ele exibia um olhar sorridente para os céus como se estivesse agradecendo por poder voar mais uma vez. Assim eles iam, Damião e seu Avião, entre as nuvens escuras de tão transparentes procurando as respostas de todas as perguntas.
Seu Avião tinha história, mas nunca tivera boca para contá-las a seu dono. Damião, por sua vez, tratava o velho bi-planador como um ser racional. Todos os seus segredos foram confessos, todavia nunca ouvira um conselho ou desabafo da máquina.
Aquilo o amargurava, desejava dividir confidências e não apenas expressar. Daí, a manhã gostosa se tornaria feia. O dono do avião queria respostas e faria daquela manhã o momento de tê-las. Começou assim o diálogo de um só, o fim de ambos.

- Bom Dia. – Dissimuladamente falou.
- Tratratratratratratratratratrat... – Funcionava com esse barulho o Avião.
- Vai continuar voando e me ignorando? – Indagou Damião.
- Tratratratratratratratratratrat... – Assim continuava.
- Está no tempo, esperei demais por respostas suas. Tens a chance de esclarecer-me algumas coisas. Porque não começa me contando sobre as suas histórias de guerra?
- Tratratratratratratratratratrat...

O Aviador perguntava e se irritava cada vez mais sem as respostas almejadas. Após alguns questionamentos já gritava com o aglomerado de metal voador.

- Perdoei-te por todos os “assassinatos” cometidos naquela guerra sangrenta sem ouvir de ti alguma explicação. – Sofria Damião.
- Tratratratratratratratratratrat...
- Toda noite antes de dormir penso no que possa ter acontecido e me pergunto por que você não evitou aquilo, tantas mortes. Você tinha o comando, porque não o impedisse máquina?
- Tratratratratratratratratratrat...
- Depois de tantas reflexões eu consegui obter algumas respostas. Você é um assassino!
- Tratratratratratratratratratrat...

Damião cansara de falar sozinho e ficou quieto por alguns minutos quando passava por uma área repleta de montanhas. O Aviador estava ficando louco, pois não sabia o que se passava na suposta mente “assassina” da máquina. Ele amava o bi-planador, fazia parte de sua vida há anos e os momentos juntos sempre foram prazerosos para si. Alguns momentos se passaram e a raiva era gritante dentro do piloto. Amava-o e odiava-o, a decisão do que fazer fora tomada.

- Você não merece “viver”, pois matou. Eu também não mereço viver, pois amo você. Então hei de morrer junto a você! – Disse dramaticamente.

Naquele momento o sentimento de nostalgia já passava pela cabeça do Aviador que atirava o Avião abaixo. A descida era veloz, o motor atingiu seu pico de velocidade. A altitude baixava tão rápido como batia o coração de Damião. A hélice parava e girava fazendo uma brisa leve. Os pneus amorteciam o impacto. Assim o bi-planador sempre pousava e os dois estavam “mortos” mais uma vez.